Da Ascom
A Perícia Oficial Criminal Crasileira acaba de ganhar dois aliados de peso na luta contra a impunidade: a espectroscopia a laser e a inteligência artificial. Pesquisas lideradas pelo professor do Instituto de Física (Infi) Bruno Marangoni e pelo laboratório Sisfóton da UFMS vêm sendo destaque internacional, com duas publicações de impacto nos periódicos Microchemical Journal e Talanta, ambos da Elsevier.
A inovação reside na criação de protocolos rápidos, portáteis e de baixo custo para identificar resíduos de disparo de arma de fogo, mesmo em casos com munições não tóxicas, que não deixam os elementos tradicionais como chumbo, bário e antimônio. Isso representa uma revolução na área forense, especialmente em um país como o Brasil, onde a taxa de resolução de homicídios ainda é baixa em diversas regiões. “Com essas ferramentas, fortalecemos os laudos periciais e aceleramos investigações, contribuindo diretamente para reduzir a impunidade”, destaca o professor Bruno Marangoni.
O grupo de pesquisadores da UFMS foi motivado a desenvolver esses trabalhos pela necessidade urgente de alternativas mais acessíveis, rápidas e robustas para a identificação dos resíduos, especialmente diante das limitações do método tradicional, a microscopia eletrônica de varredura com espectroscopia de energia dispersiva (MEV-EDS). “Embora o MEV-EDS seja considerado o padrão ouro para a análise de resíduos de disparo de munições convencionais, baseando-se na detecção de nanopartículas com chumbo, bário e antimônio, ele apresenta restrições significativas”, explica o professor do Infi e integrante do Sisfóton Cícero Cena. De acordo com o professor, as restrições são: elevado custo de aquisição e manutenção dos equipamentos; infraestrutura laboratorial sofisticada e profissionais altamente treinados; não está disponível em muitos institutos de perícia no Brasil, especialmente nas regiões com menos recursos; e não há um protocolo estabelecido para identificar resíduos de munições não tóxicas, que não contêm os três elementos clássicos.
Diante disso, os pesquisadores viram na espectroscopia de plasma induzido por laser (LIBS), aliada a algoritmos de inteligência artificial, uma solução promissora: a técnica permite análise direta, em campo, com equipamentos portáteis, sem preparo de amostras e com capacidade de detecção multielementar em poucos segundos. “Além disso, a aplicação de modelos de aprendizado de máquina, como Support Vector Machine (SVM) e Linear Discriminant Analysis (LDA), aumenta a confiabilidade das classificações e permite a introdução de categorias probabilísticas como indeterminado, algo inexistente nos métodos convencionais”, reforça Cena.
O grupo se propôs a desenvolver protocolos inéditos e validados cientificamente, capazes de substituir ou complementar o MEV-EDS, inclusive para novas gerações de munições não tóxicas, oferecendo à perícia criminal brasileira uma tecnologia viável, confiável e de aplicação imediata. “Essas tecnologias têm potencial para democratizar o acesso à perícia avançada no Brasil, permitindo análises rápidas em campo com equipamentos portáteis, sem depender de técnicas caras como a microscopia eletrônica de varredura”, comenta o professor do Sisfóton.
Detecção com probabilidade e precisão
O artigo publicado na Microchemical Journal apresenta um modelo probabilístico baseado em SVM que analisa espectros obtidos com LIBS em resíduos coletados das mãos de suspeitos. O grande diferencial está na introdução da categoria indeterminado, permitindo que amostras duvidosas sejam descartadas para uma nova análise, algo que evita falsos positivos e aumenta a robustez do processo.
Segundo os pesquisadores, mesmo em testes de estresse com amostras contaminadas intencionalmente, o modelo foi capaz de identificar corretamente as amostras verdadeiras, atingindo 100% de acurácia na validação externa.
Identificação de munições não tóxicas
Já no trabalho publicado na Talanta, o grupo de cientistas enfrentou um desafio ainda mais complexo: a identificação de resíduos de disparo de munições não tóxicas, que não contêm os elementos metálicos tradicionais utilizados como marcadores. Combinando LIBS e algoritmos de aprendizado de máquina, como LDA e SVM, o grupo conseguiu identificar padrões químicos únicos, com destaque para elementos como zinco, titânio, cobre e ferro, viabilizando, assim, a identificação mesmo na ausência de chumbo ou bário. Os métodos obtiveram novamente 100% de acurácia na classificação de amostras, segundo a validação cruzada e testes externos realizados.
Aplicação imediata e impacto social
Ambas as pesquisas foram desenvolvidas em colaboração com as universidades federais de Uberlândia (UFU), São Carlos (UFSCar), Santa Catarina (UFSC) e do Amazonas (Ufam) e o Conselho Nacional de Pesquisas (CNR) da Itália, com apoio da Programa Nacional de Cooperação Acadêmica da Capes. Um dos pilares do projeto foi o trabalho de doutorado do perito criminal da Secretaria de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso do Sul Rodrigo Wenceslau (foto), ilustrando a sinergia entre ciência acadêmica e serviços forenses.
Os estudos já se encontram finalizados e, na fase atual, a metodologia já pode ser transferida para uso da polícia. Além do coordenador Buno Marangoni e do professor Cícero Cena, participaram do trabalho o professor da UFU Jader Cabral, da UFScar Edenir Rodrigues, da UFSC Gustavo Nicolodelli e o professor da Ufam Daniel Goncalves, além do pesquisador do CNR Giorgio Sensi. (Fonte: UFMS).