Mutirão de DNA identificou oito desaparecidos no RS: "Alívio e tristeza", diz filho que encontrou corpo do pai
Dos 47 “matches" já obtidos pelo banco de dados desde 2012, 17% vieram por meio da iniciativa
Após participar do mutirão, Maristela recebeu a notícia de que o filho João Gabriel (à esquerda no retrato) teve o corpo identificado Maria Gabrielli Rodrigues da Rosa / Arquivo Pessoal
A busca por um familiar desaparecido terminou para oito famílias gaúchas nos últimos dias. Elas participaram, no mês de junho, de um mutirão feito pelo Instituto-Geral de Perícias (IGP) do Rio Grande do Sul, quando tiveram amostras de DNA coletadas.
O trabalho resultou em “matches” — quando, após cruzamento de dados, o sistema do IGP acusa um vínculo entre o material genético fornecido e um dos corpos armazenados no Banco de Perfis Genéticos do Rio Grande do Sul (BGP/RS). Os familiares, então, recebem a notícia que tanto temem, mas, muitas vezes, esperam.
Os oito corpos identificados durante o mutirão são de pessoas desaparecidas nos municípios de Canoas, Sapucaia do Sul, Gravataí, Xangri-lá, Porto Alegre e Viamão. Conforme o IGP, é natural que a maior parte seja da Região Metropolitana, pois foi onde houve mais participação popular no período de coleta.
Das 47 identificações já feitas pelo banco desde 2012, 17% vieram por meio do mutirão. Além de representar uma conquista para os peritos gaúchos, o número também é um recorde nacional, pois, até o momento, nenhum outro Estado brasileiro atingiu a mesma marca.
— Conseguimos processar os dados com agilidade, e como já tínhamos materiais de restos mortais analisados no banco, a tendência era conseguirmos identificações. Mesmo assim, não estávamos esperando um número tão grande. Quando vimos os resultados positivos ficamos muito satisfeitos, é muito bom poder ajudar essas famílias — afirma a perita criminal Cecília Fricke Matte, administradora do Banco de Perfis Genéticos.
O mutirão ocorreu entre os dias 14 e 18 e junho. Foram coletadas, ao todo, 198 amostras de material genético de familiares de pessoas desaparecidas no Rio Grande do Sul. Após o término do período de coleta, os técnicos do RS se dedicaram por duas semanas à triagem do material. Era preciso certificar que os familiares que participaram haviam registrado boletim de ocorrência sobre o desaparecimento de seus parentes, e que os materiais já não haviam sido colhidos em algum outro momento.
O trabalho ocorreu em 11 municípios gaúchos e também em outros 25 Estados e no Distrito Federal, por meio da Campanha Nacional de Coleta de DNA de Familiares de Pessoas Desaparecidas, lançada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.
De acordo com o Ministério, atrás do RS estão Goiás (quatro confirmações), Rio de Janeiro (três confirmações), Distrito Federal (três confirmações), Maranhão, Minas Gerais e Espirito Santo (cada um, com uma confirmação). Até o momento, são 21 identificações em todo o país.
“Tristeza e alívio”
Dos oito desaparecimentos solucionados a partir do mutirão, o mais antigo é de Osvaldo Aquino de Souza, que havia sido visto pela última vez em julho de 2009, aos 79 anos, após sair de casa no bairro Niterói, em Canoas. O filho dele, João Marcos de Souza, 62 anos, participou da iniciativa do IGP em junho deste ano. Algumas semanas depois, recebeu a notícia de que o cruzamento de dados foi positivo.
Osvaldo Aquino de Souza desapareceu em 2009Arquivo Pessoal / Arquivo Pessoal
— É um sentimento de tristeza, mas de alívio. Eu não sei colocar de uma maneira clara. Ao menos agora podemos dar a ele um destino honrado, justo, por tudo o que ele representou para a gente — afirma o administrador de empresas aposentado.
Segundo ele, o pai havia trabalhado por 50 anos em uma empresa de tecelagem. Já aposentado, costumava passear pelas redondezas da casa, conversar com vizinhos, e logo depois retornar. Algo diferente aconteceu naquela terça-feira, quando Osvaldo não voltou. Teve início, então, uma procura ininterrupta por delegacias, estabelecimentos comerciais, rodoviárias e hospitais. Fotos foram espalhadas por Canoas e municípios da região.
Após 12 anos de busca, a esperança da família em receber notícias já estava reduzida, até que João Marcos ficou sabendo sobre o mutirão do IGP pelos meios de comunicação.
— Não sabíamos que esse banco de dados existia. Assim que tomamos conhecimento fui fazer a doação. É uma gota de sangue, algo simples, totalmente gratuito. É um trabalho de alto nível, completo e ao nosso alcance — diz Souza.
No dia 2 de agosto, ele e dois irmãos, além outras pessoas da família, fizeram uma cerimônia de despedida para Osvaldo, que foi enterrado no mesmo túmulo de sua esposa, falecida em 2007. Segundo a Polícia Civil, a ossada dele foi encontrada por populares em uma área verde do bairro Guajuviras, em Canoas, em agosto de 2014. Não foi possível identificar a causa da morte.
Quem também participou do mutirão e recebeu um retorno positivo do IGP foi a diarista Maristela Gonçalves Rodrigues, de 43 anos. Ela buscava desde janeiro de 2020 notícias sobre o filho, Gabriel Rodrigues da Rosa, que desapareceu em Xangri-lá aos 19 anos. O corpo dele foi encontrado às margens do Guaíba em fevereiro daquele ano. A Polícia Civil investiga as circunstâncias do óbito.
— A ficha ainda não caiu, eu acreditava que ele estaria vivo. Mas ao menos agora a busca terminou. Se soubesse que esse serviço do IGP existia antes, já teria feito a coleta há mito tempo. Não tenho nem palavras para a equipe, são pessoas muito queridas, que me trataram muito bem e colocaram fim nessa angústia — afirma Maristela.
Conforme o IGP, a procura pelo serviço aumentou após o mutirão — hoje, ao todo, 459 famílias fazem parte do sistema. Por outro lado, 518 restos mortais não identificados estão armazenados no banco do Estado.
— Queremos diminuir esse número. Para as famílias é muito difícil passar anos atrás de informações, tentando descobrir o que teria acontecido, com expectativas e dúvidas. Elas precisam de respostas — afirma a perita Cecília.
Segundo a perita, o Grupo de Trabalho de Identificação Genética de Pessoas Desaparecidas, que tem abrangência nacional, já cogita a realização de um novo mutirão no ano que vem.
Como encontrar o serviço de coleta de DNA
Quem tem um familiar desaparecido não precisa esperar por um mutirão do IGP para fazer a coleta de DNA. Basta se dirigir a uma delegacia de polícia e registrar o boletim de ocorrência, informando o máximo de detalhes possível sobre a pessoa desaparecida. A Polícia Civil faz o encaminhamento ao posto médico-legal, para que o material genético seja recolhido.
Outras formas de identificação
Antes da coleta de material genético, é possível tentar outras formas de identificar um corpo. Uma delas é a papiloscopia (análise das impressões digitais). Outra é a análise da arcada dentária, usada quando não há impressão digital — como nos casos de corpos fragmentados. A comparação é feita com exames e objetos pessoais do desaparecido.
— A arcada dentária é única no indivíduo. Não falo nem na questão anatômica, mas em procedimentos como tratamento de canal, restauração, extração de sisos. Por isso é importante que a família busque esses exames e que os dentistas clínicos mantenham o prontuário dos pacientes atualizado — explica Rosane Pérez Baldasso, cirurgiã-dentista e perita criminal do Departamento Médico-Legal do IGP.
Podem ser úteis fichas dentárias, radiografias dos dentes, moldes, próteses, aparelhos dentários, placas de bruxismo ou de clareamento, protetores esportivos, etc. Exames de raio X de coluna, crânio, seios da face ou fraturas antigas também auxiliam.
Os materiais podem ser levados ao Departamento Médico-legal do IGP, ou enviados pelo correio para a Seção de Antropologia Forense do DML, com o nome da pessoa desaparecida. O endereço é Avenida Ipiranga, número 1807. Cep 90160-093 - Porto Alegre- RS.
A perita enfatiza, entretanto, que o primeiro passo para os familiares é registrar o boletim de ocorrência, pois a partir dele a autoridade policial poderá apontar supostas vítimas que podem ter seus restos mortais comparados a determinados exames ou objetos.
Fonte: GZHSEGURANÇA