A informação de que um local de crime está sendo preservado até a chegada dos peritos ou que um processo aguarda o laudo da perícia para o julgamento fica cada vez mais comum nos noticiários. Parece um contrassenso saber que toda uma estrutura está parada, aguardando a chegada de alguém ou de algo, ainda mais quando se trata de um crime.
Logo pensamos em ação policial, perseguições e que todo o aparato da segurança pública deveria estar acionado – no íntimo concluímos que aquela espera parece uma burocracia burra. Contudo, para garantir que a pessoa certa seja punida por um crime, exigem-se algumas garantias.
A primeira delas é simples: quem tem a obrigação de acusar ou a obrigação de defender não pode julgar. Sabemos que quando não há a exigência de um juiz imparcial, as coisas pendem para um lado de forma injusta.
A segunda regra é que nem a defesa e nem a acusação terão o monopólio de produção de provas. Dar esse monopólio a alguém é, praticamente, cercear o outro lado de apresentar sua versão dos fatos. Isso pode selar o resultado do julgamento.
A terceira regra é mais complexa: naquelas situações em que não for possível que tanto a defesa quanto a acusação tenham acesso às provas que devem ser analisadas, o Estado vai instruir um profissional de seu quadro, que terá a competência de efetuar a análise e providenciar os resultados para todas as partes envolvidas. Esse é o trabalho do perito criminal!
Note que se permitíssemos que todas as partes envolvidas num processo pudessem transitar por um local de crime, ou manusear um objeto, este sofreria alterações a cada pessoa que entrasse ou a cada manipulação. A última pessoa a ter acesso poderia ter conclusões totalmente diferentes da primeira.
Por isso aquele policial está ali, parado, preservando o local do crime. Sua missão é impedir que alguém adentre e apague as provas, mesmo que sem intenção.
O perito criminal, portanto, é o profissional que tem a responsabilidade de analisar a cena do crime, recolher vestígios e providenciar exames que possam indicar, por exemplo, a dinâmica do crime, os meios utilizados, as identidades dos autores e das vítimas.
E essa perícia de local de crime demora? Sim, demora. Os exames periciais levam o tempo necessário para que todo o local seja vasculhado e fotografado minuciosamente. Procura-se por sangue, esperma, impressões digitais, marcas de solado e outros vestígios que possam indicar a forma do acontecido e excluir outras possibilidades, pois surgirão questionamentos.
Contudo, segundo pesquisas da Associação Brasileira de Criminalística, em alguns Estados, o tempo entre a autoridade tomar conhecimento do fato e requisitar a perícia é superior ao tempo total que a perícia consome para atender um local e finalizar os exames. Num país burocrático como o nosso, essa informação não surpreende.
Tanto na fase de investigação quanto na fase do julgamento, cada afirmação do laudo pericial será testada pela defesa ou acusação. Então, essa é outra missão do perito: antever as possíveis teorias sobre a forma que o crime aconteceu e providenciar as respostas desde já. Por exemplo, num caso de homicídio, o perito deve observar os vestígios que indicam essa hipótese e os que refutam a tese de suicídio ou acidente.
Agilidade fantasiosa
A diferença de concluir entre legítima defesa ou homicídio pode estar nos detalhes. Encontrar essas minúcias e poder afirmar uma coisa e excluir alternativas é uma atividade desgastante, que exige muita experiência e tempo. Mas não termina aí.
Depois dos exames na cena de crime, os peritos retornam ao instituto de criminalística com os vestígios para serem analisados nos laboratórios, de onde sairão respostas respaldadas por métodos científicos e que irão compor o laudo de perícia de local de crime.
Esses exames não contam com a mesma agilidade fantasiosa daqueles exibidos nos seriados de TV.
Já pude acompanhar testes em equipamentos automatizados de análise de DNA de última geração, que dão um controle excelente sobre a qualidade do exame e chegam a ter uma taxa de erro ao acaso de um para um decilhão (10³³, que é 10²³ vezes a população mundial).
Esses exames ficaram prontos em uma semana, com um perito dedicado integralmente para conduzir o exame. Num CSI qualquer que assisti, esse exame foi pedido de manhã e o resultado apresentado na hora do almoço – mais uma "mentirinha" da TV.
Buscas em banco de dados de impressões digitais, de tintas automotivas, de fibras entre outros tomam grande parte do processamento de servidores. Normalmente, uma comparação entra na fila de espera para ser analisada. Em um caso, podemos ter dezenas de comparações.
Se adicionarmos o tempo levado para conseguir autorizações judiciais para coleta de material genético de suspeitos, mandados de busca e apreensão, estimo alguns meses para a conclusão de um laudo e não como se é dito nos noticiários: "o laudo pericial fica pronto em 30 dias".
Ademais, se a perícia do seu estado contar com quadro de pessoal defasado, não tiver independência e nem orçamento próprio, além do aumento no tempo da confecção do laudo, a qualidade do serviço prestado à comunidade poderá ser cair – todas as unidades da federação estão nessas condições.
Ainda, para complicar, envolvendo todo esse mundo que fica entre a ciência e o ambiente jurídico temos uma estrutura arcaica de segurança pública, que dificulta ainda mais para que todo esse trabalho faça alguma diferença.
Tanto na fase de investigação quanto na fase do julgamento, cada afirmação do laudo pericial será testada pela defesa ou acusação. Então, essa é outra missão do perito: antever as possíveis teorias sobre a forma que o crime aconteceu e providenciar as respostas desde já. Por exemplo, num caso de homicídio, o perito deve observar os vestígios que indicam essa hipótese e os que refutam a tese de suicídio ou acidente.
Autor: Bruno Telles, 38 anos, é perito criminal e presidente da Associação Brasileira de Criminalística